Paper que trata das diversas aplicações da Inteligência Artificial em favor do fortalecimento sindical e da sua representação. Aborda negociação coletiva, operacionalização interna, otimização de serviços, prestação de contas, inteligência na operação de bancos de dados e aprimoramento de atuação estratégica.
Por Gérson Marques
Doutor, professor na UFC e na Excola, Subprocurador-Geral do Trabalho, tutor do GRUPE
Vivemos um tempo de grandes transformações tecnológicas. As mudanças que antes pareciam lentas e graduais hoje chegam de forma veloz e inesperada, alterando profissões, relações de trabalho e até a vida cotidiana. Cada revolução tecnológica foi, no seu tempo, um marco para a humanidade: o domínio do fogo, a invenção da escrita, a máquina a vapor, a eletricidade, o computador. Agora, estamos diante de um novo salto: a chamada quarta revolução industrial, também conhecida como Indústria 4.0, na qual a Inteligência Artificial (IA) ocupa posição central.
O mundo já percebeu o alcance dessa mudança. As empresas se organizam para explorar os novos recursos. Os governos adaptam suas políticas. Até mesmo as crianças, ainda na escola, começam a aprender conceitos básicos de IA para se prepararem para o futuro. Mas, quando olhamos para os sindicatos, percebemos que muitos ainda não entraram nesse movimento. Em geral, continuam atuando com as mesmas ferramentas de décadas atrás, quando o ambiente social e trabalhista era completamente diferente. Essa defasagem aumenta o desequilíbrio entre capital e trabalho.
No artigo original em que este paper se baseia, desenvolvi de forma aprofundada os fundamentos teóricos e jurídicos da questão. Aqui, procuro apenas apresentar uma síntese em linguagem simples, de modo que os dirigentes e militantes sindicais compreendam a urgência do tema e se sintam instigados a ler o texto completo.
A tese central é direta: o sindicalismo pode se apropriar da IA como uma ferramenta de fortalecimento da representação sindical, desde que usada com ética e supervisão, sem substituir o papel político do dirigente.
A história mostra que cada nova tecnologia cria rupturas. Elas não pedem licença para entrar, nem retrocedem. Uma vez estabelecidas, modificam de forma definitiva o modo de viver e de trabalhar. Basta lembrar o destino das máquinas de escrever, substituídas pelos computadores, ou das antigas locadoras de vídeo, eliminadas pelo streaming. A tecnologia não dá passos atrás.
Hoje, a Inteligência Artificial já está presente nos celulares, nos automóveis, nas bolsas de valores, nos sistemas de saúde, nas campanhas políticas e até no jornalismo. Entretanto, raramente a encontramos funcionando a serviço dos sindicatos. Essa ausência é preocupante, pois significa que a classe trabalhadora corre o risco de ser representada por entidades que falam uma linguagem ultrapassada, enquanto seus representados estão imersos em redes sociais, aplicativos e novas formas de interação digital.
É certo que os dirigentes sindicais de hoje pertencem, em grande parte, a uma geração que viveu outro tempo. Muitos têm mais de 45 anos, alguns já passaram dos 55, e não cresceram em meio a smartphones e plataformas digitais. A juventude, por sua vez, já nasceu nesse universo e enxerga o mundo com outras lentes. Esse choque de gerações dificulta a comunicação entre base e liderança. Mas, curiosamente, a IA pode ser justamente a tecnologia que pode criar uma ponte entre esses dois mundos.
Diferentemente da chegada dos computadores, que muitas vezes excluiu os mais velhos, a Inteligência Artificial pode favorecer quem tem experiência, trabalhadores de mais idade. O motivo é simples: a qualidade das respostas da IA depende dos comandos (os chamados prompts) que recebe. E as pessoas mais experientes, como os dirigentes sindicais, por terem vivido mais situações concretas de luta, negociação e mobilização, têm condições de formular instruções mais detalhadas e objetivas, o que resulta em respostas melhores. Assim, em vez de ser um obstáculo, a maturidade pode se tornar vantagem no uso dessa ferramenta.
Naturalmente, isso não dispensa a necessidade de capacitação. Tal como ocorre com qualquer nova tecnologia, o sindicalista precisa aprender a manusear a IA: compreender seus limites, suas potencialidades e até mesmo seus riscos éticos. Mas, uma vez superada essa etapa, abre-se um horizonte riquíssimo de possibilidades.
Um dos campos mais evidentes de aplicação é a comunicação sindical. Durante muito tempo, o contato entre sindicato e trabalhador se dava por boletins impressos, reuniões presenciais ou telefonemas. Depois vieram os sites e os chatbots tradicionais, baseados em perguntas e respostas prontas. Hoje, todos esses mecanismos parecem obsoletos.
Com a IA, o sindicato pode oferecer um atendimento 24 horas por dia, 7 dias por semana, por meio de um chatbot inteligente que responde a dúvidas sobre reajustes salariais, direitos previstos em convenções, valores de benefícios ou formas de filiação. Tudo isso com cordialidade, paciência e clareza, sem depender da presença física de um funcionário. E mais: a IA pode ir além de responder, sugerindo a filiação ou divulgando atividades da entidade de forma personalizada.
Isso tem enorme valor estratégico. O trabalhador que se sente atendido com rapidez e eficiência aumenta sua confiança no sindicato. A comunicação deixa de ser unilateral e passa a ser um diálogo constante, em que a entidade mostra transparência e proximidade.
Mas talvez o campo mais promissor de uso da IA seja a negociação coletiva. A mesa de negociação é, por excelência, o espaço onde o sindicato demonstra sua força. É ali que se conquista ou se perdem direitos. Ter informações rápidas e seguras podem fazer toda a diferença.
Antes da negociação, a IA pode analisar convenções de várias categorias, identificar cláusulas inovadoras, simular impactos econômicos de reajustes e captar o sentimento da base por meio de enquetes digitais ou monitoramento de redes sociais. Durante a negociação, pode oferecer dados em tempo real, calcular os efeitos de uma proposta em segundos, sugerir redações claras para cláusulas e até registrar atas automáticas das reuniões. Depois da negociação, pode traduzir o acordo em linguagem simples para os trabalhadores, preparar comunicados objetivos, elaborar pequenos textos explicativos para as redes sociais e monitorar o cumprimento das cláusulas.
Tudo isso transforma a IA em uma verdadeira “central de inteligência” do sindicato. Claro que ela não substitui a habilidade política dos dirigentes, mas amplia a sua capacidade de argumentar, de propor alternativas e de manter a confiança da categoria.
Outro aspecto relevante é o acesso a bancos de dados públicos. O Ministério do Trabalho possui o Sistema Mediador, que concentra milhares de convenções e acordos coletivos registrados. O IBGE produz estatísticas sobre emprego, renda e sindicalização. O INSS e o SUS guardam informações valiosas sobre saúde do trabalhador, afastamentos, licenças e acidentes de trabalho. Se os sindicatos conseguirem alimentar suas IAs com esses dados, poderão gerar diagnósticos precisos sobre tendências de mercado, causas de afastamento por doença, pontos de avanço nas negociações e muito mais.
Infelizmente, esse potencial ainda é pouco explorado. Muitas vezes, as empresas chegam à mesa de negociação munidas de relatórios e estudos que os sindicatos não têm. Com a IA, esse desequilíbrio pode ser reduzido.
Além das negociações e da comunicação, a IA também pode modernizar a gestão interna dos sindicatos. Na secretaria, pode redigir ofícios, organizar pautas de reunião, preparar atas automáticas e resumir documentos longos. Na tesouraria, pode controlar contribuições, emitir relatórios financeiros e identificar inconsistências. Na prestação de contas, pode classificar notas fiscais e organizar despesas com precisão. Até mesmo nas assembleias, pode ajudar a preparar pautas, redigir atas e sintetizar decisões. E, a partir de todas estas informações, auxiliar na formulação de estratégias sindicais.
Essas tarefas, muitas vezes vistas como burocráticas, consomem tempo e energia que poderiam estar voltados para a atividade política. Ao automatizá-las, a IA libera o dirigente para aquilo que é insubstituível: a escuta da base, a articulação, a luta.
Não se pode, contudo, ignorar os riscos. A IA é, afinal, um produto do capital, desenvolvida sob a lógica do lucro. Ela não tem consciência de classe nem compromisso com a justiça social. Por isso, o sindicato deve usá-la sempre com supervisão crítica, jamais delegando a ela a função de decidir ou de representar politicamente os trabalhadores. A IA é uma ferramenta, não um dirigente.
Além disso, é preciso cautela no trato com dados sensíveis. Muitas ferramentas de IA armazenam as informações que recebem e podem repassá-las a grandes corporações. Cabe ao sindicato decidir quais documentos pode disponibilizar e quais devem ser preservados. Documentos e informações sigilosas não devem ser compartilhadas com a IA. O uso ético e responsável é condição para que essa tecnologia sirva aos trabalhadores, e não aos patrões.
Diante de tudo isso, a conclusão parece óbvia: os sindicatos não podem se dar ao luxo de permanecer à margem dessa revolução. Enquanto empresas, governos e jovens trabalhadores investem pesado em Inteligência Artificial, grande parte do movimento sindical continua atuando com métodos ultrapassados. Essa distância gera desconfiança, enfraquece a representatividade e aumenta o desequilíbrio nas relações de trabalho.
Ao contrário, se o sindicato decidir abraçar a tecnologia, poderá reencontrar sua base, fortalecer sua legitimidade e se reposicionar como ator central na defesa dos trabalhadores. Não se trata de abandonar a tradição de luta, mas de adaptá-la aos novos tempos. A IA não substituirá assembleias, greves ou debates políticos, mas pode torná-los mais fortes e mais eficazes.
Em suma, a Inteligência Artificial pode ser o instrumento que faltava para revitalizar o sindicalismo. Não é panaceia, nem inimiga, mas uma oportunidade histórica. Cabe aos dirigentes decidir se a usarão para encurtar a distância com os trabalhadores ou se permitirão que ela seja mais uma arma exclusiva do capital.
Este paper buscou apresentar, em linguagem simples e acessível, as principais ideias desenvolvidas no artigo originário, que aprofunda fundamentos teóricos, jurídicos e metodológicos e oferece exemplos aplicados. Para uma visão completa e referências, recomenda-se a leitura do artigo integral, da lavra deste autor, ainda no prelo. O objetivo aqui foi despertar o interesse e mostrar que, em plena era digital, o sindicalismo não pode se dar ao luxo de viver no passado.
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